Carlos Martins

Na peça "Herói contra Heroína" encarnando o papel de toxicodependente.

Teatro

Ontem apeteceu-me ler qualquer coisa diferente.
Procurei na estante da salinha e decidi-me por uma peça de teatro: "Alguém tem de morrer" de Luis Francisco Rebelo.
Lia com entusiasmo, quando tocou o telefone. Era a Vanda para me dizer que telefonara o Carlos Martins da Fonseca para falar comigo. O Carlos orientou um atelier de Teatro no meu serviço e ficamos amigos. Eu admirava o seu talento e ele gostava do meu entusiasmo pela sua arte.
Ele estava com a sua peça numa cidade vizinha e queria ver-me.
Estas coincidências são frequentes na minha vida.
Fiquei muito contente. Telefonei-lhe e combinei ir vê-lo actuar. A peça chama-se "O Corpo Humano" e actua sozinho em palco a actuar para as crianças da escola básica.
Tem um fato preto de malha justa e por cima, em poliester, os diferentes orgãos do corpo humano, que vai mostrando e tirando, interagindo com o público. Ainda me vieram as lágrimas aos olhos, ao ver como conseguia captar a atenção das crianças, o entusiasmo delas e o ambiente maravilhoso que se formou. Também ri. Ele é espectáculo puro.
No final as crianças disseram-lhe que adoraram, comeram as batatas fritas que faziam parte dos adereços e disseram-lhe adeus durante muito tempo.
Queria ver mais, queria ver outras peças, queria aprender. Não tenho onde, nem sei como.
Trabalho todo o dia e vivo na província, longe dos centros onde há ateliers, workshops, cursinhos e cursos a sério. Por aqui... só a televisão.
Depois de almoçarmos, vim a correr para o computador, a cabeça cheia de ideias e de dificuldades também. Sonhar é fácil.
Ir a Lisboa ou a Leiria ao teatro, fica muito caro. Não são apenas os bilhetes, mas a viagem também. Então ir a cursos nessas condições...
Claro que eu poderia fazê-lo de vez em quando, mas sozinha não me apetece sair e ainda por cima à noite em cidades que conheço mal.
O teatro entrou na minha vida tarde demais.


"O indivíduo que não recebe outra recompensa pelo seu trabalho, além da que vem no envelope de pagamento, é mal pago, seja qual for a quantia que o envelope contenha."

Diz-me...

Diz-me que estou a tempo,
Que a vida não terminou
Solitária neste sentimento.
Diz-me que não estou atrasada,
Que a chama não se apagou
Antes da minha chegada.

Embala as minhas esperanças
Cantando-me uma canção
Como se fossemos crianças.
Diz-me o que quero ouvir
E ao ritmo do coração
Chora comigo... ainda que a rir.

Diz-me que posso esperar
Que a nuvem se afaste da Lua,
Que a areia mergulhe no mar,
Que se ouça a canção do vento
E eu possa vir a ser tua.
Diz-me que ainda estou a tempo.

msls

Dançar

A música é a culpada,
Embala suave a ilusão
E o bater do coração
É nota desafinada.

Os braços aconchegam,
As mãos acariciam
E os lábios balbuciam
O que os olhos não negam.

msls

Francisca, a minha inspiração




Fenando Pessoa

Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.

A neve... ainda uma festa!


A minha casa

A 250 Km de casa, onde trabalho, tive de procurar onde viver.
Encontrei o meu canto e acho graça às coincidências.
Também tem serra e incêndios. Não tem um clima tão agreste porque está mais perto do mar.
Mas este ano até teve neve também.
Tenho roseiras, como tinha na quinta e só 2 ou 3 árvores, porque o jardim é muito, muito pequenino.
À noite, o céu é tão belo como no Fundão. Milhões de estrelas fazem tecto no grande salão que é o campo, aqui, como na minha infância.
Daquele tempo, tenho alguns objectos, que cuido com muito carinho.
Os meus pais e os meus irmãos... estão sempre presentes, no meu coração.

A neve... uma festa!


A nossa casa

A minha mãe tinha mostrado vontade de viver na quinta e o meu pai construiu aí a nossa casa.
Como ficou pronta no mês de Dezembro, fomos lá passar a Noite de Natal.
Fizemos o presépio com musgo que apanhámos nos muros da quinta e pequenas figuras de barro que comprámos nas lojas da Rua da Cale.
Fazíamos rios com pratas de bombons, caminhos com serradura e neve com algodão em rama.
Não tinhamos árvore, bolas, fitas... Mas viviamos o Natal de forma apaixonada.
Já nessa altura tinhamos o hábito de comer ao jantar da véspera de Natal as tradicionais batatas com bacalhau e couve portuguesa. Depois, enquanto esperavamos a hora da Missa do Galo, eu via fritar as filhós ou fazia bonecos com pequenos pedaços de massa que me davam.
À meia-noite saiamos para a Igreja. Os homens ficavam na rua, à volta do madeiro e as mulheres entravam para assistir à Missa. (Os proprietários de terras ofereciam a madeira que iria arder toda a noite à porta da Igreja, o madeiro, à volta da qual os homens se juntavam e cantavam as canções ao Menino Jesus)
Eu, como todas as crianças, fazia um grande esforço para me manter acordada e mesmo assim, nem sempre o conseguia.
No regresso, bebíamos cacau quente e comíamos bolos e filhós antes de irmos dormir.
Pela manhã, na lareira da sala, lá estavam os nossos sapatos com um presente que o Menino Jesus nos tinha trazido.
Nesse ano, depois da consoada, já dormimos na casa que viria a ser o nosso lar até perdermos a sua alma... o nosso pai.

vanda


Foi colocada uma secretária junto à minha, enquanto não houve um gabinete disponivel para a nova colega que acabava de chegar.

Era novíssima, tanto no serviço, como na idade.

Ficava todo o dia quietinha, a estudar os processos, a fazer as fichas, a organizar todos os papéis que achava serem importantes para guardar e consultar a qualquer momento.

Não era faladora, não fumava e sorria muito. Eu fiquei satisfeita porque, habituada a estar sozinha, temia uma companheira de gabinete que viesse alterar as minhas rotinas.

Mas para a sua idade era sossegada demais...

A pouco e pouco fui podendo conhecê-la e verificar que aquele sossego todo, não era mais do que medo do meu mau feitio! Tinham-na avisado e ela ficara intimidada. Não queria problemas, estava no princípio da carreira e só queria aprender e trabalhar em sossego.

Hoje rimo-nos disso... Para os especialistas em mexericos e boatos, também ela já tem mau feitio.

Não gostava de música clássica, mas ouvia os discos que eu escolhia para trabalhar, sem dar um ai... só uns suspiros. E eu pensava que também era fan de Mozart.

Depois de me conhecer, começou a descontrair e a mostrar a sua juventude, a sua alegria, o seu talento para contar anedotas,( a do fanhoso...ai meu jasusinho!) para fazer rir o mais sisudo com as suas imitações.
Apesar de ter metade da minha idade, partilhamos muitos gostos e ideias.

Tem sido minha filha, minha irmã, minha professora, minha mãe e minha amiga. Confiei-lhe os meus segredos, recebi atenção para os meus problemas, compreensão para os meus erros, apoio para os meus projectos, esperança para os meus sonhos.

A amizade cresceu e solidificou-se.

Tive medo que ela fosse dispensada quando terminou o primeiro contrato. Não queria perder a minha colega, amiga e confidente.

Licenciou-se, fez pos-graduação e está a meio do mestrado... mas continua na expectativa de ser dispensada.

Já terminou mais 5 ou 6 contratos sem ter férias e o seu subsídio, sem o 13º mês, sem direito a estar doente. Igual, só nas funções que desempenha. Apesar disso, continua cheia de entusiasmo e a adorar o que faz. Revejo nela, muito do que eu fui.

Custa a acreditar que em breve vai casar, ter filhotes e que um dia também será avó, como eu.

As flores



As minhas roseiras e as suas rosas.


Fui a casa da minha mãe e passei lá o fim de semana.
O tempo ainda estava fresco , mas nesses dois dias fez um calor de Verão.
Regressei já depois das 7 horas da tarde e apesar dos dias maiores, já cheguei a casa com noite.
Os faróis do carro ficaram acesos enquanto abri o portão do jardim e...
nem queria acreditar! As minhas roseiras compensavam as saudades que eu sentira de casa, brindando-me com grandes rosas brancas e pequenas rosinhas cor de rosa.
Pessoas desconhecidas que passeavam na estrada, cumprimentaram-me, como é hábito nas aldeias e eu, cheia de entusiasmo, mostrei-lhe as flores. Sorriram, talvez porque não esperavam a minha reacção ou não compreendiam o que teriam aquelas rosas de especial para me deixarem tão feliz.
Arranjar a terra, plantar as roseiras, cuidar delas e por fim ver as suas primeiras rosas... é encontrar quem eu sou, a minha natureza, a minha alma.

liberdade


Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

fernando pessoa

As letras e eu




O Alfabeto e eu... foi amor à primeira vista!

Começa por A, tal como Amor e como Aliança. A Aliança que tem sido respeitada todos os dias da minha vida. Eu usaria todas as letras do Alfabeto e elas, nos seus jogos de concordância, descreveriam todos os meus sentidos... o olfacto, o gosto, o tacto, a vista e o ouvido.
Mas não era bastante e eu queria mais. Queria não só os sentidos, mas também os sentimentos .
Escrever! A escrita passou a ser a forma de eu voar.
Na escrita eu deixava muitas outras maneiras de sentir a vida, tantas, que tive dificuldade em juntá-las, catalogá-las, dar-lhes um nome que as caracterizasse fielmente, já que constantemente mudavam a forma de se apresentar.
Há momentos em que é prosa, outros, poesia. Às vezes, é alegria e risadas, outras, desânimo e desistência. Há-os de recordações, mas também os há de projectos. São título altivo ou legenda lúcida em rodapé. Endereço ou remetente, simplesmente. Nome, apelido, alcunha ou diminuitivo carinhoso. É receita, oração, notícia, letra de canção, placa de informação. Jura de amor eterno ou apenas iniciais timidas que se entrelaçam num coração. É vida desenhada na areia, na pedra, no papel ou aqui, na forma mais moderna de voar nas asas dos meus sonhos.